Friday, May 2, 2008

Sons por Palavras


The Black Keys - Attack And Release

Os Black Keys são uma das melhores bandas rock actuais. Partindo desta premissa subjectiva e pessoal, acho que este Attack And Release é um disco para se ouvir muitas vezes, para se ir descobrindo.
Iniciando com “All You Ever Wanted”, uma música de tonalidade acústica, parece que os Black Keys estão apenas a descansar para as descargas eléctricas a que nos costumam habituar. O facto é que é uma canção muito bonita, a voz sincera pousada sobre acordes acústicos e uma harmonia da guitarra eléctrica com efeitos chorus e reverb; só na parte final se vislumbra uma espécie de apoteose com teclas è mistura.
É engraçado que será assim também que o álbum termina, numa toada lenta muito beatleana. “Things Ain’t Like They Used to Be” transparece a despedida magoada, a corte com um passado que foi bom...mas que não volta. As emoções a ganharem corpo fora da voz e da melodia, o mundo a desaparecer à nossa volta e a solidão a ganhar espaço, pouca a pouco, mais e mais.
“I Got Mine” soa a Black Keys clássicos. Um riff próximo de Jimi Hendrix com pózinhos de Black Sabbath. Energia a pairar electrificada no ar. A prova de que não são precisos milhões de dólares para se obter boa música rock. Pode bem ser feita por dois rapazes (sim, os Black Keyes são constituídos por apenas dois elementos) a tocar numa garagem (o que não é o caso, já que apesar da sonoridade muito lo-fi, este é o primeiro registo dos rapazes que é trabalhado naquilo a que verdadeiramente se pode chamar um estúdio, ainda que muito peculiar). O núcleo do rock não está no som mas na atitude. “Remember When (side B)” transparece a mesma força, guitarras a marcar o andamento, early’s Deep Purple na cabeça. Comparando com algo mais actual, vem-me à cabeça o nome dos Datsuns.
Logo a seguir “Strange Times” volta a trazer-me à ideia Black Sabbath, talvez mais pela sonoridade da guitarra do que por outra coisa qualquer, já que o refrão é mais melodioso e indie que a parte dos versos. De uma forma ou de outra acabo a pensar que se poderia ouvir a voz do Ozzy por aqui sem nada temer.
Um banjo introduz “Psychotic Girl”, canção desnudada e despida de adornos. “Just a psychotic girl/ and i won’t get lost in your world”, ouvido de uma forma crua, leva-nos a pensar que este é um tema estranho. Toda a sonoridade da música ajuda a criar esta sensação de estranheza: segundas vozes fantasmagóricas, o banjo a aparecer e desaparecer, sintetizador minimal, guitarra com efeitos. Definitivamente fora do comum.
Voltamos à pousar os pés na Terra com “Lies”. Muito por força dos blues, que fazem a sua primeira aparição. Orgão a clamar dor, ritmo pausado, deambulações instrumentais. “I wanna die without pain” vai saindo da garganta do vocalista. Uma sala escura, um copo no balcão, o cigarro aceso com a cinza quase quase a cair. “I got a stone where my heart should be/ and nothing i do will make you love me”. Blues, como ia dizendo. Que reaparece em “So He Won’t Break”, sendo aqui menos apegado às raízes e mais mainstream. Orgão hammond e teclados a sustentar dedilhados eléctricos, voz menos magoada e mais R&B.
“Remember When” é a de que menos gosto em todo o conjunto de músicas que aparecem no disco. Folk muito arrastada, afasta-se daquilo que o duo melhor faz. Talvez não seja uma canção fraca, simplesmente soa descontextualizada no meio do resto.
No meio dos extremos que a banda já percorreu em discos anteriores, a meio caminho entre a energia desenfreada e melodias contagiantes que apareceram amiúde no que foram fazendo, “Oceans & Streams” sintetiza bem o patamar em que os Black Keys se encontram. As malhas fortes continuam por lá, mas sem exageros. O swing cool e balanceado das melodias continua lá, mas sem previsibilidade. E juntam-se, equilibram-se.
Para o final deixo “Same Old Thing”, com um início suportado por uma flauta muito Jethro Tull a pairar sobre o riff da guitarra. A voz aparece e junta-se de forma perfeita ao andamento do conjunto. Tudo parece caminhar lado a lado em sintonia, como se nada quisesse retirar o brilho às restantes componentes do conjunto. Simplicidade absoluta; bateria, guitarra, voz, flauta no início e no fim. Encontramos sentido nisto, porque é o que a banda faz melhor.
Com um som muito próprio, que parece rock com alma que atravessou o tempo saído de um distante programa de rádio do passado, a banda tem-se imposto por mérito próprio no panorama musical. O facto de alguns nomes grandes (Robert Plant, Billy Gibbons, Kirk Hammett) revelarem que gostam de os ouvir, ajuda. E só apetece gritar “Let’s Go Keys”, tal como os fãs costumam fazer nos concertos, quando a banda se apresenta em palco.

Edgar Ribeiro (edribeiro@clix.pt)

No comments: