Wednesday, March 26, 2008

Saturday, March 22, 2008

Sons por Palavras


Eddie Vedder - Into The Wild OST

Há músicas que nos fazem sentir vivos. Há também músicas que nos fazem pensar. Existem ainda músicas que nos invadem de tal forma que parecem querer expressar o nosso ser. Depois, é assustador pensar que a expressão artística de alguém nos diga tanto, como se fosse a passagem à realidade de algo que julgavamos intraduzível, simplesmente por ser nosso, por ser pessoal.
Este álbum de Eddie Vedder é uma verdadeira pérola. E devia trazer consigo pelo menos duas advertências: a de que deve ser tratado com cuidado, tal a fragilidade e a beleza do que contém; e, por outro lado, o aviso de que se pode tornar viciante e avassalador.
A música de “Into The Wild OST” é orgânica e natural.Penso que poderia ter sido composta em qualquer altura temporal tal a genuinidade que arrasta consigo.
A música de uma banda sonora comporta sempre um grande grau de exigência, pedem-se-lhe muitas coisas: que se adeque ao filme ajudando como veículo de transporte das emoções projectadas pelas imagens; que seja coerente; que tenha importância artística para lá do filme. É algo que, penso, a maior parte das bandas sonoras não consegue completar na totalidade.
Ainda não vi o filme, mas é já um ponto muito positivo este disco ter-me dado a vontade de o fazer. Sean Penn (o realizador do filme) não se enganou ao apostar em Vedder. E mais que isso, estes temas ganharam espaço próprio pela sua qualidade.
Mas vamos à música. Esta que ouvimos aqui expressa o coração da América dos grandes espaços abertos e dos horizontes que se perdem de vista. É o som que sai da terra das pradarias, da imensidão do Alaska, da aridez do Grand Canyon. É a confirmação de uma suspeita que vem já muito de trás, a de que Eddie Vedder tem alma de compositor.
Entre os instrumentos que se vão ouvindo, uma tónica na sonoridade acústica partilhada pela guitarras, baixo e percussão. Uma vez por outra aparecem as guitarras eléctricas, uma voz feminina, um bandolim. E sempre, sempre a voz de Vedder a chorar palavras que expressam a constante luta entre a individualidade humana e a necessidade social que por vezes submerge e asfixia essa individualidade (“society, crazy and deep / I hope you're not lonely without me”, canta ele em “Society”, uma versão da canção de Jerry Hannan). Penso mesmo que esta canção poderia tornar-se o hino contemporâneo de todos aqueles que sentem que não se ajustam.
Em pouco mais do que a meia hora que tem o disco ficamos indecisos entre qual das músicas ouviremos mais vezes. A belíssima “Hard Sun” (versão de uma música original de Índio) parece ser uma tentativa de consciencialização da nossa pequenez no mundo (“There’s a big, a big hard sun, beating on the big people, in the big hard world”). Impossível tirá-la da cabeça, aviso antecipadamente.
Logo a abrir, “Setting Forth” (uma das minhas preferidas, juntamente com “Hard Sun” e “Rise”) e “No Ceilling” marcam a toada do que vem a seguir: desprendimento, solidão, liberdade, procura, entusiasmo, solidão. “Sure as I'm leaving/ Sure as I'm sad /I'll keep this wisdom/ In my flesh” é o que ouvimos em “No Ceilling”.
“Rise” e “Long Nights” são introspectivas, uma procura de entendimento interior. Criamos raízes ao ouvi-las e ficamos com muitos, muitos anos de idade. Por vezes a esperança aparece timidamente.
“Far Behind” e “End Of The Road” são talvez as duas únicas músicas do disco que nos fazem pensar que poderiam ter sido compostas pelos Pearl Jam numa das suas incursões acústicas. Não que sejam temas menores, apenas penso que não atingem a plenitude das outras canções.
“Tuoloumne” é um simples dedilhar acústico de um minuto que serve de ponte para “The Wolf”, uma exortação primitiva similar a cânticos xamânicos de uma tribo índia.
A terminar, Vedder deixa-nos “Guaranteed” onde expressa o final da história. Aliás, o final de todas as histórias humanas. A finitude como pano de fundo para as palavras do cantor: “Leave it to me as I find a way to be/ consider me a satelite for ever orbiting/ I knew all the rules but the rules did not know me/ guaranteed...”.
E voltamos ao início para ouvir outra vez...

Edgar Ribeiro (edribeiro@clix.pt)

Thursday, March 20, 2008

Wednesday, March 12, 2008

Sons por Palavras


UNKLE - War Stories
Os Unkle são um colectivo de produtores que desafiam uma definição linear do som que fazem. Tendo já colaborado na mistura de álbuns de numerosos artistas (exº Oasis), gravado música para filmes (exº The Incredibles) e apresentando-se como um dos nomes maiores da área da remistura (já trabalharam com Queens of the Stone Age, Massive Attack, Beck, etc.), a sua música exibe contornos de electrónica, de rock e mesmo de música de dança. Sempre guiados por James Lavelle, que emerge como o guia espiritual do projecto.
O terceiro álbum , War Stories, à semelhança dos trabalhos anteriores, é um desfilar de vocalistas convidados que vai de Josh Homme (QOTSA) a Ian Astbury (The Cult), de 3D (Massive Attack) a Gavin Clark (ClayHill) , passando pelos The Duke Spirit e Autolux. De colocar água na boca. No entanto, este registo tem também a particularidade de nos oferecer a estreia como vocalista do próprio James Lavelle em “Hold My Hand”, sendo que em “Morning Rage” essa tarefa é dividida com Richard File, a actual “outra face” dos Unkle.
“Hold My Hand” é mesmo uma música penetrante,cruzando guitarras e electrónica, deixando a hipnótica voz de Lavelle a guiar-nos os pensamentos. Se tivesse menos que os seus cinco minutos beneficiaria enquanto canção. Já “”Morning Rage” é mais directa, com bateria (caixa de ritmos?!!) e baixo a parecerem uma locomotiva, mas acaba por se perder algures já que as vozes não aguentam a força necessária exigida pela parte instrumental e o refrão desilude.
Quanto às colaborações...bem, estranhamente ao que apostaria inicialmente, são as da linha mais electrónica e experimental (3D e Autolux) as que menos potenciam o som dos Unkle. As outras vão desde o competente até ao muito interessante.
No início do disco, passamos a instrumental e cinematográfica “Chemistry” e a estreia vocal de James Lavelle para sermos confrontados com a voz de Josh Homme em “Restless”. Num registo completamente diferente dos Queens of the Stone Age, marcado por ritmos mais repetitivos e dançáveis, a interpretação soa-me apenas a profissional. Em posteriores audições confirmo a suspeita, a insanidade dos QOTSA adequa-se mais aos lamentos de Homme do que algo mais próximo do “som de Bristol”.
À primeira aparição de Gavin Clark, o apogeu deste álbum em “Keys To The Kingdom”. Depeche Mode temperados a Nick Cave. Qualquer coisa de sublime a transbordar das palavras e a elevar-se acima da música. Grande voz. Grande música. Em “Broken” a colaboração de Gavin Clark não atinge o mesmo patamar, mas ainda assim é outra das grandes músicas aqui presentes.
A voz de Ian Astbury traz-nos outro momento alto. “Burn My Shadow” é uma canção clássica envolta em caixa de ritmos e sintetizadores, salpicada aqui e ali por guitarras indie e baixo rock, o que a leva em determinados momentos para o campo da experimentação para depois regressar ao formato inicial. Na segunda aparição, o resultado é diferente. Talvez se em 2007 Jim Morrison encontrasse Nick Cave e os Tindersticks este fosse o resultado, “When Things Explode”. Talvez.
Aliás, ao ouvir “Price You Pay” é novamente o nome dos Doors que me assalta as ideias. Começa como uma espécie de oração, passa para uma malha de baixo e sintetizador muito aproximada da banda de Morrison (embora com um som mais actual), volta ao murmúrio confessional...sim, provavelmente seria isto que os Doors fariam hoje em dia. Pessoalmente, fico com um sentimento ambíguo perante o tema. Uma letra mais rica, ao jeito do Rei Lagarto, ajudaria a decidir-me.
“Mayday”, com os The Duke Spirit ao leme é dos exercícios mais indie rock deste conjunto de canções. Poderia ser ouvida misturada com músicas dos Yeah Yeah Yeahs, por exemplo. Não destoa, embora não nos esmurre o estômago. Também “Lowless” percorre os mesmos trilhos, se bem que o minimalismo low-fi seja aqui mais interessante. Dois minutos e trinta e seis segundos a rockar.
De barriga cheia, deixo “Persons And Machinery” (com os Autolux) e “Twilight” (com 3D dos Massive Attack) para o final. Por me parecerem as propostas menos conseguidas. Perdidas entre a pop mais experimental e o trip-hop não chegam a ganhar espaço para respirar entre as outras canções que por aqui se ouvem. Talvez noutro contexto se revelassem diferentes. Aqui, ficam perdidas e desajustadas.

Edgar Ribeiro (edribeiro@clix.pt)

A ouvir:
UNKLE - Hold My Hand
UNKLE - Burn My Shadow

Saturday, March 8, 2008

Sons por Palavras


Three - The End is Begun

No meio das bandas que actualmente despontam e dão cartas na área do moderno rock/metal progressivo baseado em agressivas e trabalhadas linhas de guitarra, os Three conseguem com este “The End is Begun” (quinto álbum do grupo) um lugar ao lado de nomes como os Dream Theater, por exemplo.
A sonoridade refrescante e original que a banda consegue atingir num meio nem sempre dado a grandes mudanças é um facto a registar, tanto mais que já não são nenhuns novatos nestas andanças, sendo o seu primeiro registo discográfico datado de 1998.
Apresentando um som polirrítmico onde sobressaem riffs rápidos e melódicos de guitarra acústica como em “The World is Born of Flame” e “The End is Begin” (que apresenta um cheirinho de guitarra flamenco) e uma percussão acente na dinâmica propulsora dos breaks da bateria lado a lado com poderosas linhas de baixo (“Battle Cry”;“My Divided Falling”), os Three não deixam de fora alguns dos tiques distintos do género, aparecendo também aqui as acrobacias vocais (“Shadowplay” e “The Last Play”, ambas com travo country) e as guitarras tipicamente heavy (“Serpents in Disguise” e “These Iron Bones”).
Na minha opinião, são mesmo as vocalizações demasiado doces (“Been to the Future” e “Bleeding Me Home” são disso exemplo) que se apresentam como o elemento menos forte da banda pois, apesar das inegáveis capacidades vocais, talvez falte a Joey Eppard um timbre mais forte e espesso para dar músculo às músicas.
Aqui a estrutura recorrente de quase toda a música actual “verso, refrão, verso, ponte, refrão” não se aplica automaticamente, embora os Three nunca deixem a faceta experimental atingir os limites, o que se constata na duração das músicas, que anormalmente para este tipo de som se mantêm quase todas na casa dos quatro minutos.
“All That Remains” é uma música harmoniosa e cativante, negra mas ao mesmo tempo encorajadora. Deixa-nos a trautear a melodia muito para lá da audição do tema. Já “Diamond in the Crush” é mais tipicamente rock, suportada por uma base rítmica galopante que permite às guitarras assumirem o papel principal. Em “Live Entertainment” descobrimos uma piscadela de olho a públicos não tão sintonizados com com este tipo de música e somos presenteados com uma música linear, com segundas vozes próximas do rock FM.
Numa altura em que fazer música que traga consigo algo de novo, personalizado e coerente é uma premissa que não acompanha a maioria das bandas actuais, julgo que é justo fazer sobressair este trabalho dos Three da amálgama de discos que nos entram pelos ouvidos quase diariamente sem nada acrescentarem.

Edgar Ribeiro (edribeiro@clix.pt)

Sunday, March 2, 2008

Sons por Palavras


The Cult - Born Into This
A lendária banda rock The Cult regressou aos discos no segundo semestre de 2007. “Born Into This”, o oitavo álbum de originais, marca o regresso após seis anos sem novidades. E, diga-se, é bastante melhor que os dispensáveis dois álbuns anteriores.
Ainda assim, este disco não acrescenta nada de melhor ao que já foi feito pela banda, em obras que se tornaram clássicas, como “Love” e “Electric”. Portanto, não encontraremos aqui nada como as fabulosas “Lil' Devil”, “Love Removal Machine”, “She Sells Sanctuary”, etc.
Dito isto, a banda de Ian Astbury e Billy Duffy faz neste último lançamento um regresso às suas raízes rock. Embora não seja nenhuma obra prima, este é um disco que pode voltar a pôr no mapa do rock'n'roll o nome do grupo. Pelo menos os fãs mais antigos irão gostar, de certeza.
Só uma nota: este é um conjunto de canções que se vão entranhando mais e mais à medida que se vão ouvindo mais vezes. Depois de uma primeira audição é impossível disfarçar a estranheza provocada por alguns dos temas, mas em audições seguintes isso vai-se aplicando a um cada vez menor número de músicas.
Os riff orelhudos e poderosos do tema título “Born Into This” e de “I Assassin”, por exemplo, vão fazer alguns braços tocar “air guitar”, concerteza.
“Citizen” é um dos tais temas em que pensamos: eles já fizeram melhor do que isto. Embora seja uma música que se ouve bem, quando damos por nós já estamos a pensar noutra coisa qualquer que não na canção, o que nunca é bom sinal. Também “Diamonds” se revela de uma mediania desnecessária, soando a algo desinspirado.
“Dirty Little Rockstar” inicia com uma linha marcada de baixo, soando banal. Depois, numa segunda vez em que é ouvida deixa de soar tão previsível. À terceira tentativa, começa a parecer um tema típico de Cult, com um verso principal forte, cadência rock suportada por um riff de guitarra competente e a cada nova investida cola-se ainda mais aos ouvidos. Logo depois, “Holy Mountain” revela-se a surpresa do disco. A voz de Astbury a soar a Elvis, guitarra com efeito reverb, baixo e bateria em sintonia minimalista, a embalar-nos para um desgosto amoroso mal curado, a exigir a urgência de uma qualquer substância que anestesie o corpo e a mente para nos livrar da tristeza.
Pelo meio vamos encontrando alguns “standards Cultianos” como “Illuminated”, “Savages” e “Sound of Destruction”, recheados de riffs de guitarra bem delineados, letras um pouco sem sentido...
Resta falar de “Tiger in the Sun”, talvez a mais séria candidata a juntar-se ao rol de clássicos da banda. Um refrão cativante, cantado com toda a paixão, uma grandeza épica a soltar-se da música. Espiritualidade a pairar no ar, especialmente princípios budistas (o líder da banda encontrou-se já várias vezes com o Dalai Lama e visitou o Tibete e o Nepal) e a sensação de uma cruzada pela autenticidade espiritual.
Uma coisa ninguém pode negar aos The Cult, eles são daquelas bandas que se ouvem e, para o bem e para o mal, se identificam logo. A voz de Ian Astbury e as malhas de guitarra de Billy Duffy são únicas e distintas, produzindo um som que é o deles. Isso não conseguem todos.

Edgar Ribeiro (edribeiro@clix.pt)